A ofensiva do Congresso Nacional para mudança das regras eleitorais, que tem como uma das propostas cortar mais de 50% da verba de campanha das candidaturas negras, é um retrocesso e a institucionalização da sub-representação de grupos minorizados, afirmam especialistas ouvidos pela Folha.
Após um grupo de trabalho montado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), apresentar o projeto que incluía o corte de mais de metade da verba de campanha destinada a negros, a ideia foi incorporada no relatório da PEC da Anistia.
A proposta, junto da chamada minirreforma eleitoral —aprovada na Câmara na última semana—, também prevê uma série de pontos que fragilizam a punição a irregularidades cometidas por partidos e candidatos.
Segundo Flávia Rios, socióloga, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisadora do Afro-Cebrap, se a proposta for sancionada será um retrocesso, porque afeta o financiamento de candidaturas negras, que ajudam a espelhar a população brasileira na competição eleitoral.
"É um projeto que, se passar, torna o Lira, presidente da Câmara, um grande inimigo da população negra e dos direitos conquistados, justamente porque essa medida do TSE garantiu a maior participação de negros nos processos eleitorais, possibilitando a viabilidade dessas candidaturas, que pode ser vistas nos resultados eleitorais."
O argumento dos congressistas para a realização da minirreforma eleitoral é que as regras têm atrapalhado de forma burocrática o funcionamento dos partidos, das eleições e da própria democracia.
Além de interpretações restritivas dadas pela Justiça Eleitoral sobre a legislação em vigor, a cota para negros é dado como exemplo por vários deles de interferência indevida do Judiciário nas atribuições do Congresso.
Hannah Maruci Aflalo, diretora de A Tenda das Candidatas, que capacita mulheres para disputas eleitorais, também vê a proposta como um retrocesso e diz que a medida não é isolada.
"Nos últimos anos, minirreformas são feitas às pressas, sem transparência e sem a participação da sociedade civil. Não à toa, vem apresentando retrocessos, às políticas de ações afirmativas que visam incluir os grupos sub-representados na política, que são as mulheres e as pessoas negras", diz.
Aflalo afirma ainda que há um histórico dessas políticas. "Em 2020, a PEC 134 queria tirar os 30% de candidatura de mulheres e substituir por 15% de assentos. Em 2021, há uma nova proposta de ‘minirreforma’ que também ameaça as cotas de financiamento de mulheres e outros pontos."
Por isso, A Tenda das Candidatas e o VoteLGBT enviaram ao grupo de trabalho da minirreforma um documento apontando o que no texto prejudicaria os direitos de mulheres, negros, LGBTs e indígenas.
A chamada minirreforma terá que passar pelo Senado antes de ser submetida à sanção do presidente Lula (PT). Para que o corte na verba eleitoral de negros valha já nas eleições municipais de 2024, é preciso que o texto seja aprovado e promulgado até o dia 5 de outubro.
Para o sociólogo Luiz Augusto Campos, se aprovadas, as mudanças vão institucionalizar a sub-representação na política, que já vem acontecendo ao longo dos anos.
"O que os nossos estudos mostram é que essas novas regras [para aumentar a presença de negros e mulheres na política] têm tido menos impactos do que deveriam na redução das desigualdades raciais e de gênero nas eleições."