O suposto esquema de desvio de produtos químicos ligado a Renato Cariani, 47, influenciador com mais de sete milhões de seguidores nas redes sociais, abastecia uma rede criminosa de tráfico de drogas internacional comandada por criminosos do PCC, segundo a Polícia Federal.
O principal elo entre Cariani e a facção seria, segundo a investigação, Fábio Spinola Mota, apontado como membro PCC e preso no início deste ano em outra operação da PF, a Operação Downfall, que investigou esquema de "tráfico internacional e interestadual de drogas, com diversas ramificações no país".
Durante essa outra investigação, a cargo do núcleo da PF do Paraná, em abril, foram realizadas prisões, apreensão de cerca de 5,2 toneladas de cocaína e bloqueio de bens estimados em R$ 1 bilhão.
Mota, que ficou preso até o mês passado, foi um dos alvos da operação da PF de São Paulo, a Hinsberg —além do próprio Cariani e de Roseli Dorth, a sócia do influenciador em uma empresa para venda de produtos químicos, a Anidrol Produtos para Laboratórios Ltda., em Diadema.
A polícia chegou a pedir a prisão deles, o que foi negado pela Justiça. Na casa de Mota, os policiais encontraram R$ 100 mil em espécie. A reportagem da Folha não conseguiu contato com a defesa do suspeito até a publicação.
A hipótese da polícia é que parte do material adquirido legalmente pela Anidrol, compra rigidamente controlada pela PF, era desviada para a produção de cocaína e crack. Para justificar a saída dos produtos, eram emitidas notas fiscais falsas e depósitos em nome de laranjas, usando indevidamente o nome da multinacional AstraZeneca.
De acordo com a investigação, foram desviadas cerca de 12 toneladas de produtos como acetona, éter etílico, ácido clorídrico, cloridrato de lidocaína, manitol e fenacetina, substâncias utilizadas para transformar a pasta base de cocaína em pó (cocaína) ou em pedras (crack).
"A gente não pegou a droga, porque essa informação só chegou para a gente em 2021. Então, os produtos já haviam sido desviados", disse à Folha, o delegado Fabrizio Galli, chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da PF, e responsável pela operação desencadeada nesta terça (12).
Ainda conforme o policial, as investigações tiveram início após a Receita Federal detectar depósito em dinheiro, no valor de R$ 212 mil, aparentemente feitos pela AstraZeneca. A empresa negou, porém, tal movimentação e também ligação com a empresa do influenciador. Deu-se, então, início as investigações.
Ao longo da apuração, Cariani apresentou troca de mensagens com um suposto funcionário do laboratório, Augusto Guerra. A análise telemática demonstrou, contudo, que teria sido Mota, amigo de Cariani, quem havia registrado um domínio na internet em nome da AstraZeneca, com extensão com.br, e criado um email em nome desse funcionário fantasma.
"Na nossa investigação, a gente identificou [Mota] como sendo o intermediário. Ele tem uma relação de amizade íntima com o sócio da empresa de produtos desviados. A gente o identifica como responsável pela elaboração dos documentos fraudulentos para que o produto, de fato, pudesse ser desviado", afirmou o delegado.
A estimativa da PF que o esquema de desvios de produtos possa ter rendido ao grupo valores superiores a R$ 6 milhões. Na operação do Paraná, Mota era suspeito de lavagem de dinheiro de integrantes do PCC.
A investigação tem o recorte tempo de 2016 a 2020. De acordo com a polícia, novas fases devem ser desencadeadas.
O influenciador e outros suspeitos devem ser denunciados sob acusação de tráfico equiparado e associação para fins de tráfico, bem como pelo crime de lavagem de dinheiro. As penas podem ultrapassar 35 anos de reclusão.
A Folha procurou o influenciador via ligações no celular, mensagens na rede social e ligações na empresa, mas ninguém respondeu aos contatos. Em pronunciamento nas redes sociais, disse ter sido surpreendido com a operação e que está tranquilo.
"Pela manhã fui surpreendido pelo cumprimento de mandado de busca e apreensão da polícia na minha casa, onde fui informado que não só a minha empresa, mas várias empresas estão sendo investigadas num processo que eu não sei. Os meus advogados agora vão dar entrada pedindo para ver o processo e aí sim eu vou entender o que consta nessa investigação", afirmou.
O influenciador disse, ainda, que a empresa tem mais de 40 anos e opera com todas as licenças necessárias.
Em outra publicação na tarde desta terça (12), Cariani afirmou ter sido acordado por volta das 6h pela Polícia Federal e que estava tranquilo.
"Mas, o importante é o seguinte, é que eu sei quem eu sou, a jornada que cumpro, sei muito bem disso. Quem tem empresa está fadado a esse tipo de situação. Estou tranquilo", afirmou, em trecho do vídeo.